
Há episódios de Star Trek que nos entretêm; e há aqueles que nos atravessam.
O sétimo capítulo da terceira temporada de Strange New Worlds, “What Is Starfleet?”, pertence à segunda categoria. Ele se apresenta como um documentário — câmeras inquietas, depoimentos diretos, arquivos “desclassificados” —, mas, no fundo, é um convite íntimo para olharmos a Frota Estelar como ela sempre pretendeu ser: não uma instituição perfeita, e sim um esforço persistente de gente imperfeita tentando fazer o certo quando ninguém mais sabe o que fazer.
A pergunta do título parece simples. Não é. “O que é a Frota Estelar?” se desenrola entre ordens oficiais e corações em conflito, entre a lógica fria dos protocolos e a urgência cálida de uma vida única diante de nós. Uma criatura luminosa, sensível, o Jikaru, transforma-se no centro de gravidade moral da narrativa. A cada cena, a Enterprise nos lembra que decisões éticas raramente são binárias; quase sempre são feitas de nuances, de vozes que tremem, de silêncios que pesam.
Há beleza — e dor — na tentativa de compreender o que não fala a nossa língua. Quando a comunicação falha, resta ouvir com outras partes de nós: o olhar, o cuidado, a coragem de permanecer junto. É por isso que a presença de Uhura emociona. Ela representa a ponte literal e simbólica entre mundos. Não é apenas um ofício; é uma vocação para a empatia. E quando a empatia encontra limites, não é por falta de esforço, mas porque a vida, por vezes, escolhe seu próprio destino.
O artifício do “documentarista de fora” é mais do que estilo; é o espelho que nos desafia. De início, a câmara julga, suspeita, enquadra a Enterprise como força de ocupação, questiona a retórica da paz. E a dúvida é legítima: poder e violência costumam andar de mãos dadas na história. Mas, conforme a jornada avança, o olhar se suaviza. Não por propaganda ou por discurso pronto, e sim pelo contato direto com a humanidade da tripulação: a prudência de Pike, a razão ferida de Spock, a firmeza silenciosa de Una, o cuidado quase ritual de M’Benga, a competência que não pede aplauso de Ortegas. São pessoas — não mitos — expondo vulnerabilidade na tentativa de proteger o que é vivo.
No coração do episódio, existe um gesto de liberdade. Ele não é grandioso, tampouco cinematográfico no sentido convencional. É uma escolha íntima, radical, que religa a palavra “exploração” ao seu significado mais profundo: explorar não é conquistar; é compreender o suficiente para permitir que o outro seja. A Frota Estelar, então, deixa de ser farda e torna-se promessa: a de que a civilização só avança quando decide cuidar.
Poderíamos discutir o enquadramento, os cortes bruscos, o ritmo irregular — e tudo isso tem seu lugar. Mas o valor desta história não está na forma como as imagens foram costuradas; está no que elas deixam no nosso peito quando a tela escurece. Ficamos com uma pergunta que retorna, teimosa, sempre que a vida nos pressiona: o que, afinal, nos define? As ordens recebidas ou a compaixão que escolhemos exercer? O manual que seguimos ou a mão que estendemos?
“O que é a Frota Estelar?” talvez nunca tenha uma resposta definitiva. Hoje, para mim, é esta: é o compromisso de ouvir antes de agir; de errar com humildade e reparar com coragem; de aceitar que a missão mais difícil não está nas estrelas, mas no pequeno espaço entre a nossa convicção e a dor do outro. É um pacto com a esperança — não uma esperança ingênua, e sim a que permanece de pé quando o peso das consequências nos dobra os joelhos.
Se a ficção científica é uma carta que escrevemos ao futuro, este episódio a redige com tinta de empatia. E nos lembra que, enquanto houver uma luz — por menor que seja — procurando um lugar para brilhar, a verdadeira direção da nave continuará sendo a mesma: adiante, mas nunca sozinhos.




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